domingo, 4 de dezembro de 2011

Lost in Translation

Em dias como este em que tenho a minha Alma a gritar-me ao ouvido linguagens que não consigo perceber, só me apetece gritar de volta: FALA NUMA LÍNGUA QUE EU PERCEBA!
Será que com tantos anos de convivência nesta vida, já para não falar nos prováveis anos de vidas passadas,  ainda não chegámos a acordo nesta comunicação?

Vivemos numa Era extraordinária em muitos aspectos, temos novas tecnologias à mercê dos nossos dedinhos curiosos, podemos falar com pessoas do outro lado do mundo que, noutras Eras, nunca saberíamos da sua Existência, temos acesso a um mundo infindável de informações que queremos saber (e outras acerca das quais preferíamos continuar ignorantes), temos supermercados, lojas e uma série de estabelecimentos a brilhar com todos os artigos para a nossa sobrevivência e ainda para levarmos uma vida de consumo intenso de roupas, brinquedos para adultos, mobília e gadgets que funcionam como Valium para as nossas frustrações e falta de sentido. 
E, no entanto, nunca chega. Nada disto chega para evitar que cheguem dias destes em que temos a nossa Alma a berrar que não chega, que quer outras paragens, outras descobertas, e preferencialmente, que sejamos nós a desbravar florestas virgens  e a sair vergastados pelos ramos insaciáveis de sangue dos aventureiros. O problema cria-se quando olhamos em volta e não há florestas virgens, tudo o que vemos são muros e muros de uma sociedade e papéis perfeitamente definidos, muralhas tão subtis que até os artistas plásticos se vêm envolvidos num rol de criações académicas sem se darem conta que estão a clonar-se uns aos outros. Passámos anos e anos envolvidos nos nossos próprios medos, criando a caixa perfeita onde nos encaixarmos que quando esta se tornou demasiado pequena, enfrentámos os nossos medos, acreditámos que afinal podíamos ser capazes de aguentar os braços ensaguentados e ao abrir os olhos munidos das nossas espadas e chapéus de três bicos fomos confrontados pelo mundo criado por nós e pelos outros: de betão, perfeitamente optimizado, com cadeiras à mesa defronte de etiquetas com o nosso nome para sabermos exactamente onde é suposto sentarmo-nos, com o manual de instruções comportamentais debaixo do braço e um universo de conhecidos e família que sempre nos viram da mesma forma, da forma que projectámos e que, afinal, agora queremos largar.

Talvez crescer e tornarmo-nos independentes não seja apenas uma questão de sair da casa dos pais, arranjar um trabalho para a nossa subsistência, criar uma família e bens e perpetuar o que aprendemos para que o funcionamento continue imparável e mecânico, talvez fazer precisamente isso seja a maior prova que continuamos agarrados às saias da Mãe vivendo com o perpétuo medo da autoridade do Pai. Talvez o que a nossa Alma nos tenta berrar ao ouvido é que temos que largar o ninho, arriscar o frio e encontrar as nossas próprias florestas virgens a desbravar mesmo que isso signifique acreditar em criar algo mais do que as nossas obrigações financeiras, mais do que preencher a nossa vida social e aumentar o nosso conhecimento. E o clique que não está a ocorrer entre a nossa Alma e a nossa Consciência é que nós não conseguimos contemplar nada que não consiga encaixar-se na caixa mental que criámos para nós, não conseguimos pensar em criar algo que não tenha um objectivo específico, algo que não careça de planeamento ou de algum tipo de reconhecimento exterior. A verdade é que precisamos de motivação e esta não parece ter sementes internas suficientemente fortes para nos manter persistentes na criação sem qualquer tipo de incentivo. 

E pus-me a pensar mais seriamente nisto, porque actualmente fala-se imenso sobre sermos nós próprios e como o que procuramos não está lá fora, mas sim cá dentro e etc... não quero contrariar estas orientações quando eu própria acredito nelas ou, pelo menos, quero acreditar, mas põe-se o problema: se foi sempre suposto encontrarmos o que procuramos cá dentro, então porque raio nascemos num mundo populado por outros??? Se o nosso propósito é encontrarmo-nos a nós próprios, conhecermo-nos e aceitarmos quem somos e etc... onde cabe o outro aqui?

Por princípio, não acredito em verdades absolutas, porque de cada vez que caí na esparrela de o fazer, a vida veio e deu-me uns certeiros golpes de Kung Fu que me deixaram de cabeça para baixo e pézinhos no ar, por isso quando me alimentam com verdades absolutas, a minha reacção é começar a vomitar o excedente. Não posso crer que num mundo em que quando saio da minha porta, vejo a dona Emília e o senhor António mais o seu cãozinho Adolfo a passear na rua construída por pessoas, num sistema construído por pessoas, num mundo criado por pessoas, mundo esse do qual faço parte, que o meu propósito seja o de me encontrar a mim própria e pronto já está! Estou cada vez mais a favor da comunicação como meio para a evolução individual, colectiva e universal (caso os aliens estejam dispostos a isso, claro, se não estiverem, sem ressentimentos, já temos muitos humanos com que nos entretermos, cá nos amanhamos).

Por isso, talvez o que a nossa Alma nos berra ao ouvido seja: olha um bocadinho para ti, um bocadinho para o outro, fica um bocadinho feliz com a tua vida, fica um bocadinho descontente com a tua vida, cresce um bocadinho para fora desta existência de betão, mas aprende a encontrar a beleza nela também. Parece confuso? Claro que é! É conversa de Alma e por mais Eras que passemos, parece que ainda não chegámos àquela mais importante: a Era em que finalmente traduzimos os berros da nossa Alma em traços claros dos passos a dar no mapa da nossa vida. Até lá, somos todos o menino Joãozinho que por mais que lhe expliquem a equação continua a olhar para o quadro de boca aberta e de expressão confusa.

Assim, em dias como este, só me dá para olhar para cima e, em reposta ao discurso da minha Alma que, apesar de poder ser coerente para um Ser vasto e iluminado, para mim é o caos total, a única sílaba que consigo pronunciar é: Hã??

 E, a menos que sejas um dos poucos que acha que “já chegou lá” e consegue tecer discursos muito claros acerca do funcionamento desta Existência ( e se fores, estou a deitar-te a língua de fora!),  tenta respirar fundo, consolar-te um pouco sabendo que não estás sozinho e lembra-te ainda que a Alma é teimosa na sua essência, não vai parar de berrar e se tu não parares de tentar perceber, pequenos momentos milagrosos em que  ela grita “1 + 1” e tu gritas “2!” acontecem e todas estas batalhas e sofrimentos valem a pena porque tiveste um momento EUREKA e, quem sabe, hoje não é esse dia? :)