terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Meter o Rossio na Rua da Betesga

Um dos propósitos da meditação é calar a mente para que, no silêncio interior, possamos reconhecer a nossa verdadeira essência. Outro dos propósitos é, ao parar esse fluxo mental em que só o visível existe e só as estruturas do tempo e espaço são parâmetros reais da vida, possamos experienciar o que é estar no presente…aquele ponto exactamente entre o que já passou e o que ainda está para vir. Claro que a meditação pode ter vários propósitos, quantos a nossa mente quiser enumerar, e tem, ao mesmo tempo, apenas um.
Mas, para o propósito deste texto (humor humano), vou referir-me ao propósito nº 2: viver o presente…ou melhor, experienciar o estar no presente…ou melhor, sentir por uma fracção de segundo o que, aproximadamente, deve ser, eventualmente, o estar no presente…ou melhor, consoante o momento que estou a atravessar, experienciar o que deve, aproximadamente, ser viver o presente consoante o momento que estou a atravessar… Pausa!!

Esta tentativa de ser muito “acertado” naquilo que dizemos, sempre a controlar as palavras para não deixar espaço para o outro nos contrapôr, é uma constante no mundo das alternativas ou o que chamamos de Espiritualidades. Pois, neste “mundo de dizeres profundos”, cada um quer dar o seu contributo para “corrigir” o outro. Quantas vezes não assisti à situação: uma pessoa diz algo para transmitir uma ideia/filosofia/conceito e logo outro vem e contrapõe as palavras usadas, advertir para os conceitos que não foram bem transmitidos, etc…  e nesta “guerra” de quem vai dizer o quê da forma mais “luminosa” e “inócua” possível, perde-se a essência daquilo que está a tentar ser transmitido…perde-se o presente para dar atenção à estrutura, ao palavreado, na intenção de moldar e educar aquela pessoa  nas palavras e termos que “deve” utilizar se quiser passar por Ser evoluído.
Eis um exemplo:

***

Fulano hipotético 1: Aprendi, ao meditar, que a minha paz interior vem quando respiro com consciência do meu corpo e, nesta presença de mim, encontro Deus.

E logo vem:

Fulano hipotético 2: A meditação não é uma aprendizagem, é um relembrar de uma capacidade que todos temos.

Fulano hipotético 1: Ah, pois. Ao meditar, relembrei que a minha paz interior vem quando respiro com consciência do meu corpo e, nesta presença de mim, encontro Deus.

Fulano hipotético 2: A tua paz interior não é realmente tua, porque ela vem da Alma que, por sua vez, está em osmose com Tudo o que existe. Na Luz, não há teu nem meu, mas o que É.

Fulano hipotético 1: Ah, claro! Hmm: ao meditar, relembrei que sinto a minha…perdão, sinto a Alma quando respiro com consciência do meu corpo e, nesta presença de mim, encontro Deus.

Fulano hipotético 2: Continuas a não perceber. Não há “presença de mim”, porque não há Eu separado do Todo. Assim, quando te referes à presença de mim, já estás a sentir o Deus que És. Não vale a pena entrares em redundâncias!

Fulano hipotético 1: Hmm, sim sim, faz sentido. Então, vejamos: ao meditar, relembrei que sinto a Alma, quando respiro com consciência do meu corpo, e aí encontro Deus.

Fulano hipotético 2: Tu não “encontras” Deus, Deus não é algo para ser encontrado. É para ser sentido, em consciência.

Fulano hipotético 1: …Ok…então: ao meditar, relembrei que sinto a Alma quando respiro com consciência do meu corpo e aí sou Deus.

Fulano hipotético 2: A consciência do teu corpo? É suposto na meditação esqueceres o corpo. Deixares de sentir o corpo para sentires a Divindade!

Fulano hipotético 1: …Huh…ao meditar, sou Deus.

Fulano hipotético 2: Tu És Deus, sempre! Não só quando meditas e, aliás, colocares essa baliza para poderes sentir o Deus que És, estás a manter-te prisioneiro da Mente, porque só a Mente tem necessidade dessas balizas!

Fulano hipotético 1: …Ok, então: …Deus?

Fulano hipotético 2: Estás a perguntar-me a mim? Se não sabes o que sentes, não sou eu que te vou dizer…

Fulano hipotético 1: …

***

Ainda bem que é um diálogo hipotético, (e com intenções cómicas), mas quantas vezes não assisti a algo semelhante.

É que as palavras, sejam faladas sejam escritas, vão ser sempre limitadas quando tentamos transmitir conceitos tão vastos e ilimitados como Deus, a Alma, o Todo, o Tao, etc… Se nos vamos concentrar nos pormenores e cingirmo-nos à tremenda importância das palavras, estaremos a focar a nossa atenção no periférico, na ferramenta e não na essência do que se transmite.
Quando canalizo um Mestre ou um Arcanjo ou, por vezes, a energia colectiva de Luz, sinto como se a transformação do que me transmitem em palavras, que posso escrever para outros lerem, é muito semelhante à tarefa de que fala o provérbio português: meter o Rossio na Rua da Betesga! E, a não ser que nos anos que aí vêm, encontremos outra forma de comunicação que não a palavra escrita, falada ou gesticulada, a limitação vai estar lá sempre, ponto. Assim, porquê perder energia e tempo em querer “corrigir” incessantemente o outro, porque o que ele acabou de dizer é passível de ter “erros” de entendimento? Tudo o que dizemos pode ser contraposto e ainda “melhor dito”, mas é isso realmente o mais importante?

Termos consciência de dar o nosso melhor é muito diferente de entrarmos numa campanha extremista para chegarmos àquela fórmula, àquela frase perfeita! E porque não relaxar um pouco? Saber que, daqui a 20 anos, conseguirei dizer ou escrever palavras maravilhosas e mais evoluídas que as de hoje, é muito provável e até aliciante, mas se isso me impedir de viver o meu presente, agora, porque sinto as minhas limitações, será uma negação de mim, o que irá resultar numa estagnação da minha evolução.

Assim, se hoje ou amanhã, sentires também que o que consegues expressar, por palavras ou gestos ou até artisticamente, está muito além do que gostarias ou até almejas, não deixes de o expressar. Porque, nas palavras sábias de um “velho” guru do mundo da ilustração, que trabalhou para a Disney e outros, chamado Sheldon Borenstein: o profissional sabe sempre que vai cometer erro atrás de erro e aceita isso como uma naturalidade inevitável… o amador não admite falhar uma única vez!

E, eu acrescentaria, que a ironia é mesmo que: só o amador que se permite falhar e não desistir, vai chegar a profissional!
E, que tal, da próxima vez, escolhermos ser esse amador persistente ao invés de ficarmos desolados com a nossa inevitável imaturidade? Só uma sugestão… ;)

Com Amor,

Sofia

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